Eduardo Pena

orfandades

A gente nasce num mundo já existente e temos forte impressão de que muitas coisas e pessoas são eternas. Outras novas, nós vamos encontrando no caminho.

Pois para mim, fica a impressão de que fui criado num mundo de coisas que parecem que sempre existiram: Coca-Cola, tabuada, Queijo Minas, Visconde de Sabugosa, Pato Donald… assim como o Pelé, o Hino Nacional, a caixa de fósforo, o Papa, os chicletes, a Monalisa, o Capitão Kirk, o Dadá Maravilha, pula-corda, o Silvio Santos.

A lista difere de outras, pois depende, por exemplo, da data de nascimento. Eu nasci num mundo povoado pungentemente por seres pré-existentes com os quais fui convivendo e que “caminharam comigo”: Milton e a turma do Clube, Ziraldo, Zuenir, Woody Allen, João Gilberto, Simon, Dylan, Sr. Antônio, Dona Zizi…

Muito mais fortes que os heróis grafados na história mundial, são pessoas vivas; reais; eternas; fazendo coisas, reais e eternas, como passar um café coado, usar uma calça jeans, cantarolar uma canção, que de tão antiga, vira cantiga. “Ah, se essa rua fosse minha, eu mandava ladrilhar… para cada um deles poder passar! ”

Tem algumas coisas e personalidades que têm a força de serem eternas e isso traz uma sombra que transforma os demais em excelentes similares “medalhas de prata” – é a síndrome inexplicável que acompanha os Stones, a Pepsi, o Maradona, o R7.

Eu tinha uma profunda impressão de que Oscar Niemayer, B.B. King, Dorival Caymmi, James Brown, Chico Anysio, Rubem Alves, Jobim, Mandela, George Martin, John Stott, Robinson Cavalcanti, fossem patrimônios intransferíveis “dessa pra melhor”; que ficariam conosco, pois, eternos.

Pois é, na vida fui aprendendo que existem tipos de orfandades. Lembro que, ainda jovem, chorei profundamente quando o Sérgio Pimenta morreu, aos 32, no mesmo mês e ano que o Drummond, aos 84. Ele nem sabia o quanto andava comigo… e nem eu, das pedras no caminho.

Como imaginar que não haverá uma participação nova do velho e bom Toots Thielemans em alguma gravação de algum artista novo? – A quem eu passaria a conhecer e a gostar justamente por isso.

Aos poucos fui percebendo que meu mundo estava morrendo. Não por que o telefone discado simplesmente acabou; a fita cassete sucumbiu aos novos formatos de armazenamentos de dados e músicas; não por que o fusca deixou de ser fabricado e os pokémons ocuparam seu lugar nas ruas.

O meu mundo foi morrendo aos poucos porque o que era eterno foi ficando pelo caminho – amigos que pareciam ser para sempre; parentes cuidadores, agora fragilizados; professores e líderes de referência…. Muitas orfandades provocam os eternos!

Talvez eu esteja vivendo aquilo que C.S. Lewis já tinha percebido: “Eu descobri em mim mesmo desejos os quais nada nesta Terra pode satisfazer. A única explicação lógica é que eu fui feito para outro mundo. ”

Por isso a minha gratidão. Simples, descobri que essas pessoas eternas me fazem suspirar por algo que o texto sagrado chama de esperança – saudades de um mundo etiquetado na minha alma.

“Nem olhos viram, nem ouvidos ouviram, nem jamais penetrou em mente humana, o que Deus tem preparado para aqueles que o amam” (I Cor 2:9)

Texto Bíblico Utilizado: I Coríntios 2:9