Eduardo Pena

Acordamos no primeiro dia do mês de junho com os noticiários do desaparecimento do Vôo da Air France 447 que saíra do Rio de Janeiro com destino à Paris. Depois de um dia inteiro de expectativas, fomos dormir como começamos o dia: assustados. Acordamos no dia seguinte e pouquíssima coisa mudou. Mesmo com alguns achados, ainda sabemos bem pouco do que pode ter acontecido.

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Não dá para não ficar perplexo com as possibilidades envolvidas. São os sentimentos envoltos às tragédias. As notícias sobre quem embarcou e o sofrimento dos familiares transitam os principais noticiários e depoimentos. Como se vê no depoimento sobre a Letícia Chem.

Minha esposa não conseguiu conter o comentário: Quem estava no vôo é porque tinha chegado a hora de partir desta vida, né? Lembrando ela que sempre surgem depoimentos de pessoas que estavam marcadas no vôo e por circunstâncias imprevistas, acabaram por não embarcar. Assim, o que seria uma frustração acaba se transformando num sentimento de alívio pelo livramento certo. Um amigo de trabalho simplesmente disse: Não sei por que tanta comoção, afinal este tipo de coisa pode acontecer mesmo, sem falar dos acidentes automobilísticos que matam pessoas todos os dias.

Ceticismo ou apatia? Talvez. Mas creio que a questão está relacionada ao imediatismo envolvendo muitos mortos num projeto programado para dar certo. A aviação tem ao seu favor a estatística de ser o meio de transporte mais seguro. Aí quando falha, fica esta sensação de desconforto e perplexidade. Na verdade, eram vários projetos de vida a bordo sendo frustrados num piscar dos painéis eletrônicos de controle. E a mídia faz o seu papel aproveitando teor para encher a sede da curiosidade popular.

Não sei, mas a nossa fragilidade demonstra que qualquer um de nós não está isento de passar por sofrimentos inesperados (será que esperamos algum?). Mesmo assim, geralmente em momentos de dor e tragédias sociais fica sempre a indagação sobre como isto pôde acontecer? Esquecendo-nos que sofrimento e dor não têm haver com merecimento ou capacidade. Faz parte da existência humana.

Muitos questionam Deus em ocasiões como esta. É a mesma pergunta que acompanha o título do livro de C.S. Lewis, O Problema do Sofrimento: “Se Deus é bom e todo-poderoso por que permite que sua criatura sofra?” Entendo que não há resposta simples quando a dor motiva as indagações. Parafraseando Shakespeare, ninguém deve ser insensível ao ponto de zombar de cicatrizes.

Mas vejo que, o que parece antagônico em relação a Deus é exatamente onde Ele quis se identificar conosco. A dor é identificação proposital da divindade conosco. O que seria ponto de exclusividade da raça humana, pois somente o ser humano sabe e reflete sobre a sua dor, passou a ser o experimento inerentemente implícito e escolhido na encarnação do Verbo, Jesus Cristo, o Varão de dores predito nas profecias. Os cravos pelos quais passou Jesus não foram uma miragem mentalizada ou uma encenação. Foram reais e intensos.

A beleza do cristianismo está na revelação da intervenção divina na realidade humana, não para tomá-la à força, mas subverter a partir do interior de cada ser. Deus não é arrombador de portas. Ele está à porta. Desde sempre ali, de braços abertos como pai da parábola do Filho Pródigo no caminho bem antes da volta do filho. Nós é que estamos constantemente atrasados.

A paz só faz sentido em meios aos problemas e não na ausência de conflitos como muitos insistem. Interessante que podemos ser invadidos por este estado, não pelo nosso esforço, mas pela dádiva do próprio Deus, pois a paz é não uma conquista, mas uma concessão divina: “Deixo-vos a paz, a minha paz vos dou!”. Quando descanso a força do meu braço no abraço de quem conhece a minha dor.

Entendo que pior do que acordar com uma tragédia como esta é nunca achar o descanso em meio às turbulências constantes da vida. Que Deus nos ajude a encontrar e trilhar o caminho da fé e da paz que excede todo entendimento… e também a dor.