Ministério da Fazenda
Secretaria de Receita Federal
Imposto de Renda Pessoa Física 1998
Ano-calendário de 1997

Declaração de Ajuste Anual Simplificada

1998
1

Arquivamento

1. Nome do declarante
2. Profissão
3. Local de trabalho
4. Declaração de Bens e DireitosO pai moderno, muitas vezes perplexo e angustiado, passa a vida inteira como um louco em busca do futuro e esquecendo-se da agora. Nessa luta, renuncia ao presente. Com prazer e orgulho, a cada ano, preenche sua declaração de bens para o Imposto de Renda. Cada nova linha acrescida foi produto de muito trabalho. Lotes, casas, apartamento, sítio, casa de praia, automóvel do ano – tudo isso custou dias, semanas, meses de luta. Mas ele está sedimentando o futuro da sua família. Se partir de repente, já cumpriu sua missão e não vai deixá-la desamparada.

Para ir escrevendo cada vez mais linhas na sua relação de bens, ele não se contenta com um emprego só – é preciso ter dois ou três; vender parte das férias; levar serviço para casa. É uma tal de viajar, almoçar fora, fazer reuniões, preencher a agenda – afinal, ele, um executivo dinâmico, não pode fraquejar.

Esse homem se esquece de que a verdadeira declaração de bens, o valor que efetivamente conta, está em outra página do formulário do Imposto de Renda – naquelas modestas linhas, quase escondidas, onde se lê: relação de dependentes. São filhos que colocou no mundo, a quem deve dedicar o melhor do seu tempo.

Os filhos, novos demais, não estão interessados em propriedades e no aumento da renda. Eles só querem um pai para conviver, dialogar, brincar. Os anos passam, os meninos crescem, e o pai nem percebe, porque se entregou de tal forma à construção de um futuro, que não participou de suas pequenas alegrias, não os levou nem os buscou no colégio; nunca foi a uma festa infantil; não teve tempo para assistir à coroação de sua filha como Rainha da Primavera. Um executivo não deve desviar sua atenção para essas bobagens. São coisas para desocupados.

Há filhos órfãos de pais vivos, porque estão “entregues” – o pai para um lado; a mãe, para o outro, e a família desintegrada, sem amor, sem diálogo, sem convivência. É esta convivência que solidifica a fraternidade entre irmãos, abre caminho no coração, elimina problemas e resolve as coisas na base do entendimento. Há irmãos crescendo como verdadeiros estranhos, que só se encontram de passagem em casa. E para ver os pais, é preciso marcar hora.

Depois de uma dramática experiência pessoal e familiar vivida, a mensagem que tenho para dar é: não há melhor tempo aplicado do que aquele destinado aos filhos.

Dos 18 anos de casado, passei 15 absorvido por muitas tarefas, envolvido em várias ocupações e totalmente entregue a um objetivo único e prioritário: construir o futuro para três filhos e minha mulher. Isso me custou longos anos de afastamento de casa, viagens, estágios, cursos, plantões no jornal, madrugadas no estúdio da televisão… Uma vida sempre agitada, tormentosa e apaixonante, na dedicação à profissão – que foi, na verdade, mais importante do que minha família. Agora estou aqui com o resultado de tanto esforço: construí o futuro, penosamente, e não sei o que fazer com ele, depois da perda de meus filhos.

De que vale tudo o que juntei, se esses filhos não estão mais aqui, para aproveitar isso com a gente? Se o resultado de 30 anos de trabalho fosse consumido agora por um incêndio e, desses bens todos, não restasse nada mais que cinzas, isso não teria a menor importância; não ia provocar o menor abalo em nossa vida, porque a escala de valores mudou, e o dinheiro passou a ter peso mínimo e relativo em tudo.

Se o dinheiro não foi capaz de comprar a cura do meu filho amado que se drogou e morreu; não foi capaz de evitar a fuga de minha filhinha, que saiu de casa e prostituiu-se, e dela não tenho mais notícias, para que serve? Para ser escravo dele?

Eu trocaria – explodindo de felicidade – todas as linhas da declaração de bens por duas únicas que tive de retirar da relação de dependentes: os nomes de meus filhoes. E como doeu retirar essas linhas na declaração de 1986, ano base 1985. Meu filho morreu aos 14 anos e minha filha fugiu um mês antes de completar 15.

Depoimento prestado por um contribuinte ao preencher sua declaração de Imposto de Renda. Preferiu prestar o depoimento a relacionar seus bens e direitos.